sábado, junho 18, 2011

sobre vírgulas e entrelinhas

Eu tava aqui lembrando dos dias que passávamos juntos. A gente nunca espera que coisas tão loucas aconteçam na nossa vida, daquele tipo que chegam fazendo a gente duvidar e vão virando tudo de ponta cabeça de um jeito tranquilo, de um jeito que não dá medo.

Lembra como a vida era nesses dias? Eu lembro de te encontrar todos os dias pela manhã, você tomando café e comentando comigo sobre a coluna de música, e lembro das horas que passava gravando CDs pra você ouvir enquanto ia pro trabalho, fazendo capinhas lindas, capinhas que nunca fiz pros meus próprios discos.

Eu já era descompensada e você já era super centrado. A única coisa que podia nos unir era mesmo a música em comum. E as discussões pelas coisas que um defendia e o outro não conseguia escutar. Mas eu sempre respeitei sua opinião, e você sempre ouviu tudo o que eu dizia antes de me criticar e chamar de groupie, de mulherzinha, de roqueira que estava perdendo o bom gosto, com o maior sorriso do mundo no rosto, tirando aquele sarrinho que eu nunca consegui achar ruim.

E eu te escutava e tentava ser mais pé no chão com as coisas da vida, e você se deixava levar pelos meus mergulhos na loucura e se enfiava comigo noitadas adentro, mostrando lados seus que os outros não conheciam. Era um orgulho pra mim ver você se mostrar assim, sem filtros. E eu deixava tudo em mim fluir quando estávamos nesses dias, e era doce saber que alguém entendia sem julgar, mesmo que não concordasse com toda aquela entrega sem rédeas pra qualquer coisa que fosse. Eu não sabia me defender das coisas, não sabia me defender do meu próprio medo da vida, e você escutava muitas das minhas desculpas esfarrapadas com paciência, com aquele olhar de que um dia eu entenderia. E um dia eu realmente entendi. É por isso que lembro com tanto sentimento de tudo o que você representou pra mim. De tudo o que você viveu junto comigo.

Eu lembro das risadas escancaradas mas controladas ao mesmo tempo que você dava, e era tão bom me divertir com você. E lembro quando eu surtei por alguma coisa qualquer, e te liguei muito bêbada e disse coisas que nunca se deve dizer a homem nenhum. E da mágoa que ficou no ar, aquela coisa que dava pra cortar com uma faca se houvesse faca que corta climão.
E que no auge do desespero pela minha atitude destemperada, escrevi uma cartinha e deixei debaixo da sua porta. E você me desculpou e continuou sendo meu amigo e fazendo um milhão de coisas legais comigo depois.

Lembro do dia em que você me trouxe dois CDs pra escutar, e uma barra de chocolate. Eu não podia ter ganho coisa melhor do mundo. E a amizade da gente era assim, feita de delicadezas que me ensinaram que por trás da depressão química que eu tinha, a vida ainda podia ser bonita.
Eu lembro dos abraços sem jeito que a gente se dava, e de como era mais fácil fazer sexo do que tentar olhar por um tempo dentro dos olhos do outro. Aí vinha um medinho. Mas que quando a gente inventava de dormir juntos, os nossos pés encostados me davam uma sensação de deja vu e eu sabia que aquilo era um reencontro de outros lugares desse mundo.

E da gente no carro cantando Beautiful Ones enquanto o dia amanhecia depois de assistir a uns 5 shows incríveis, tentando chegar no trabalho a tempo, e de todas as brigas que eu arrumei em casa por causa disso. E de quando eu sofri um acidente sério que me trouxe um milhão de consequencias horríveis depois, porque eu tinha bebido um tanto e queria chegar onde você estava, só pra me sentir inclusa, compreendida e querida e dar meia dúzia de gargalhadas antes de voltar pra casa e dormir. Porque você fazia meus dias mais fáceis quando eu sabia que ia acordar e poder te encontrar de manhã pra dizer bom dia.

E eu lembro que eu fui embora, mudei de cidade e você ficou, e a nossa amizade foi uma das coisas mais dolorosas de deixar. Que na minha despedida no bar você não ficou muito, porque disse que era difícil pra você também, e porque você tem essa mania ridícula de querer controlar tudo, e "sabia o que aconteceria" se ficasse mais. Essa mania ridícula de me conhecer como quase ninguém conhece. E me deu um abraço idiota, um beijo estranho e eu me mudei de cidade e estado.

Mas lembro que um ano depois eu estava de volta e você veio me ver, e era como se nada houvesse mudado, apesar de tudo estar diferente nas nossas vidas. E de uma outra vez que tínhamos cada um uma pessoa especial, e eu amava esse namorado e você amava a sua, e contávamos coisas lindas sobre eles um para o outro. E que a gente tomou todas as cervejas do mundo neste dia, e conversamos coisas importantes, e dormimos juntos com o mesmo cobertor, dividindo um calor próximo e distante, sem acontecer nada. Mas que você me pediu pra virar pro outro lado, antes que acontecesse, e eu dei um sorriso largo no escuro da sua sala.

Foi a última vez que a gente se viu.

3 comentários:

Barbara Manoela disse...

é impressionante como as histórias se entrelaçam e ai você consegue escrever um texto que cabe tanto em mim... te amo tanto, amada!!!

Ruby Tuesday disse...

é por isso que a gente tá junto aqui até hoje, eu, você, o Epá, o Patrice... As histórias da gente se entrelaçam de uma forma que já não se sabe quem escreveu, quem viveu, quem fingiu, que não esteve lá. :)

Amor demais.

Fabiano Cavalcanti disse...

Cara... Que texto!!! Que amor de texto!!!