quarta-feira, julho 06, 2011

Geada

Ela então ajeitou os cabelos de lado, puxados num rabo desarrumado, deitando de barriga na colcha colorida, enroscando os pés que calçavam aquelas meias marrons desbotadas de andar por tantos lugares, pegou o caderno e a caneta e rabiscou algumas flores, aquela velha mania de flores.

E entre os rabiscos foi relembrando seu dia, aquele texto da revista que parecia tanto com ela, o que tem incomodado e o que parece um presente, e pensou no dia em que desenhava as mesmas flores pensando naquele futuro que hoje já aconteceu.

Ela que nunca teve medo de nada aos olhos dos outros, na verdade tinha um milhão deles escondidos e começava a entender algumas coisas no meio daquele frio desgraçado da madrugada. Um barulhinho de ficha caindo em um lugar profundo e escuro.

O medo que tinha de encarar fantasmas virava coragem de ser a mais louca criatura a pisar naquela família, naquele círculo de amizades, naquela faculdade, naquele inferninho do centro da cidade. Era mais fácil estar no centro das atenções alheias do que no centro dela mesma.

O medo de dar errado. O medo de dar certo. E aquele medo do amor que parecia não existir nos relacionamentos, mas existia de uma outra forma, a forma com que ela se abandonava e se perdia e se mutilava e se escondia dentro de outras coisas. Criava uma casca de problemas com os quais podia se preocupar, atrás dos quais poderia se esconder, pra nunca ter que olhar pra aquele medo de não ser querida. Era mais fácil sabotar-se do que ser derrubada lá do alto por outra pessoa qualquer.

Lembrou de tudo o que escutou de tanta gente, dos pais, dos irmãos, dos malucos que achavam que a conheciam bem e descarregavam uma série de adjetivos doloridos e julgamentos massacrantes, que entravam rasgando e deixavam um deserto triste nos olhos. Que causavam cicatrizes com as quais ela ainda não sabia lidar de certa forma, apesar de achar sempre que já havia superado aquilo tudo.

Sentia frio e não quis se cobrir. Precisava sentir sem disfarces.

Pintou as flores de um jeito diferente, pensando na sorte que tinha de estar compreendendo.

4 comentários:

Barbara Manoela disse...

que texto lindo, amora... eu preciso voltar a escrever textos mais longos. os seus estão me inspirando. amote.

Fabiano Cavalcanti disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fabiano Cavalcanti disse...

Baco me pegou pelo colarinho e bagunçou minhas ideias. Dionísio misturou os pensamentos e fez com que tudo saísse meio de soslaio... hehehehe... O texto tá fantástico, Dany!!

Joel Piktor disse...

Adjetivo: delicado.