sexta-feira, setembro 28, 2012

Os anos que não passamos juntos

Os anos que não passamos juntos foram alguns tristes, outros bonitos. O primeiro quase me arrancou o coração à força, e me fez tentar morrer aos poucos de formas diversas, até perceber que eu não queria morrer de verdade, o que eu queria era ser feliz. Fugi de cidade, pra começar onde não existisse você. Mas existia, porque você já havia vivido lá também.
A sede pelos bons momentos foi me impulsionando, mas mesmo assim o espaço que você ocupava era tão grande que não cabiam outras coisas, e eu bebia muito até vomitar o dobro, pra ver se tudo aquilo saía de dentro de mim. Observação: não saiu.
Morei naquela casa legal com um monte de gente que cuidava de mim, saía comigo, se acabava junto e dizia as mesmas coisas, sobre como queríamos todos encontrar nosso sentido na vida e no amor. Estávamos todos procurando alguma coisa.

No segundo ano eu continuei buscando, e fiz muitas coisas legais, e namorei e morei um pouco junto e descobri que não queria aquilo - não com ele - e morei numa casinha muito bacaninha isolada nas montanhas e visitei cachoeiras e fui trabalhar 10 dias em Porto Alegre e fiz um monte de coisas boas no trabalho e um monte de coisas bizarras na vida e fecharam minha agência e voltei pra São Paulo com um pé machucado e sem cabeça pra nada. Meu irmão foi preso. Recusei o convite pra ser madrinha de casamento da minha irmã e acho que ela ficou magoada. Mas não tinha a mínima condição. Aconteceu uma coisa bem complicada, mas dessa eu não queria falar hoje, e eu fiquei um tempo pensando até o fim daquele ano, e resolvi ir pro Hawaii.
Fugir de cidade não era o suficiente, então eu precisava mudar de país.

Aí eu fiquei um pouco feliz, sabe, com todos aqueles planos, e decidi que queria fazer um trabalho na fundação do Jack Johnson, aquele cantor todo engajado com as questões ambientais, e escrevi pra eles e pra minha própria surpresa, eu poderia fazer um estágio voluntário e escolher se queria plantar hortas nas escolas ou fazer outra coisa que agora não me lembro o que era.
Então eu me planejei e me empolguei e fiz quinhentos e dezessete planos, e fui feliz e contente cheia de documentos em uma pasta azul para minha entrevista no Consulado Americano. E aí eles negaram o meu visto porque eu tinha perfil de quem iria imigrar e não voltar mais. Eu não pretendia fazer isso, minha filha estava aqui afinal. Mas sim, eu tinha mesmo o perfil, não posso negar. E eu saí do Consulado chorando, chorando, chorando, sem me importar com as pessoas olhando, com os carros passando, e liguei pro meu irmão me buscar e quando entrei no carro já estava mais calma, porque nada mais era tão difícil quanto o tsunami emocional de quando eu me perdi de você. E naquele mesmo dia eu já tinha decidido que então ia pra Nova Zelândia, e foi uma das escolhas mais acertadas que fiz, forçada ou não.
Já era o meio do terceiro ano.

Cheguei em Auckland completamente sozinha, sem falar inglês direito, as 4h da manhã com 3 graus de temperatura. O cara que era pra estar lá me esperando não estava - ele foi, mas nos desencontramos - e eu fiz a primeira coisa sozinha num país desconhecido, arrumar uma van pra me levar pra onde seria a casa que eu mais amei morar na vida, um tipo de hostel chic. E naquela cidade e em várias outras do país e naquele lugar eu fui bem feliz. E conheci alguns dos melhores amigos que tenho hoje, gente que esteve do meu lado em momentos maravilhosos e em perrengues homéricos a trocentos mil quilômetros, do outro lado do planeta e com 15 horas de fuso horário de casa. Gente mala e gente inspiradora. Momentos maravilhosos e alguns ruins também. E lá eu aprendi tanto sobre mim, tanto sobre o mundo, tanto sobre o meu coração, e comecei e entender que precisava mesmo viver a vida apesar de não termos dado certo. Que eu ia sempre te levar comigo de alguma forma, e que você era parte importantíssima do meu processo de crescimento na vida. Mas a melancolia chegava às vezes e me soprava baixinho no ouvido: você pode conquistar o mundo, mas nunca vai ser igual. É, meu bem, cada coisa é única, e a gente percebe que existe um milhão de pessoas especiais no mundo, mas que aquelas que nos tocam não desaparecem conforme as outras chegam. É uma dor e um consolo, pois sei que pra aqueles que fui especial também não deixarei de ser.
Fiquei lá até o final do ano, e voltei sem chão, não me reconhecendo mais aqui, não estando mais lá, morta de saudade de mim e de todo mundo, e precisava começar a trabalhar pra esquecer.

O quarto ano em que não ficamos juntos chegou, e com ele o emprego novo na agência de intercâmbio. Área nova, ânimo novo, paixão pelo assunto, várias dificuldades. Durou três meses, e na mesma semana em que saí de lá me mandei pro Chile pra passar uns dias no festival, segundo ano seguido. Gosto muito de lá. Mais pessoas legais no caminho, e mais eu vi que não importa a nacionalidade, todos somos feitos da mesma matéria. Sonhos. Gentileza. Amarguras. Passado. Esperança.
E voltei já com um pé e a cabeça na França, buscando o aconchego de duas pessoas especiais de quem eu já morria de saudades depois de 5 meses longe, e por lá vivi um lindo mês, trabalhando dificuldades na cabeça, na vida, na língua, surtando e sendo feliz ao mesmo tempo, comendo coisas diferentes, tendo desarranjos intestinais, sorrindo, passando horas meditativas em bancos de praças, chorando compulsivamente às margens do Sena e escrevendo muito em um caderninho preto. Concluindo a análise sobre a vida durante 13 horas seguidas presa num aeroporto em Amsterdam, sem dinheiro, com uma garrafinha de água da torneira, mochila, caneta e papel. Voltando pronta pra assumir as coisas por aqui, pra recomeçar.

E recomecei decidindo ser feliz com o que eu tinha no momento, e tentando aproveitar as poucas folgas pra fazer coisas que me fizessem bem, e naquela tarde de sexta, enquanto arrumava a mala pra ir à praia com duas amigas que não via há anos e minha filha a tiracolo, no meio do quarto ano, chegou um e-mail seu. Li e peguei a estrada, ainda não acreditando. Respondi três dias depois, e dezesseis e-mails mais foram trocados naquela data.

De lá pra cá foram mais dois meses e uma passagem pra Fortaleza, coração na mão. Tive medo de você não estar lá, tive medo de você não ir me ver. Tive medo de você me estranhar, e tive medo de estranhar você. Quando dei por mim, estava na porta do hostel, tocando a campainha. E quando aquela porta se abriu, você estava ali. E em dez segundos eu estava dentro do seu abraço apertado, seus braços em volta de mim, minha boca no seu pescoço - quem mandou você ser alto? - e seu nariz me procurando, cheirando meus cabelos, meu pescoço, falando baixinho no meu ouvido, "minha branquinha, minha branquinha". A música mais bonita que eu poderia escutar naquela hora. Um abraço sem fim. Meus brincos caindo no chão com a força daquela saudade. E em algumas horas, os anos que não passamos juntos sorriam pra mim, olhando aquela garota mais madura, mais calma, mais tolerante e mais feliz, e me dando uma piscadinha enquanto você dormia do meu lado.

2 comentários:

Barbara Manoela disse...

uma síntese linda de uma história mais linda ainda, dessas que a gente torce pra que tenha um final feliz. :)

Eu acredito, e aí? disse...

Tem que escrever um livro e não só um capítulo!